“CONSTRUINDO O AMANHÃ: QUE GERAÇÃO QUEREMOS FORMAR?”
“Não temos de nos preocupar em viver longos anos, mas em vivê-los satisfatoriamente, porque viver longo tempo depende do destino, viver satisfatoriamente depende da tua alma. A vida é longa quando é plena…” (Sêneca, Cartas a Lucílio)
A FORMAÇÃO DO CARÁTER E DA PERSONALIDADE
Costumamos dizer que a criança já nasce com um determinado temperamento, ou seja, com um padrão inato de resposta ao ambiente. Vemos essas diferenças temperamentais em bebês recém-nascidos quanto ao nível de atividade, aproximação/retraimento, adaptabilidade, intensidade de reação, qualidade do humor, distratibilidade e persistência.
A personalidade é fruto da relação com os pais, das experiências vividas, da educação, da sociedade, cultura e religião, bem como das decisões tomadas no processo de individuação. Portanto, para que possamos formar homens e mulheres de valor, precisamos enquanto pais, interferir positivamente na vida dos nossos filhos, suprindo suas necessidades físicas, emocionais, intelectuais, sociais, “inculcando” valores positivos.
Na formação do caráter, os pais não devem somente interferir (educando e corrigindo, por exemplo), mas criar uma “imagem” positiva dos seus filhos. Devemos vê-los como pedras preciosas que precisam de lapidação. Os conceitos que temos dos nossos filhos (bons ou maus) são passados para eles, através da linguagem não verbal que as crianças captam e acabam se comportando de acordo com essas crenças.
Como transmitimos valores para os nossos filhos? Para respondermos essa pergunta precisamos primeiro entender como se dá a aquisição do comportamento ético e moral.
O DESENVOLVIMENTO DO COMPORTAMENTO ÉTICO
A importância de entendermos como se desenvolve a moral nas crianças é pra que possamos refletir sobre as nossas ações educativas. Às vezes, apesar de bem intencionados, aplicamos castigos, que de nada servem enquanto medida educativa e pouco ajudam na construção de uma consciência ética, não porque o “castigo” em si está incorreto, mas está inadequado para a idade da criança.
Jean Piaget, no seu livro “O julgamento moral na criança” nos mostra que assim como a criança “constrói” o conhecimento, através da passagem por estágios sucessivos do desenvolvimento cognitivo (sensório-motor, pré-operatório, operatório, operatório-formal), precisando para isso uma congruência entre a maturação do sistema nervoso central, a estimulação do ambiente físico, a aprendizagem social e a tendência ao equilíbrio; assim também acontece com o julgamento moral.
Para o autor, a criança vai da anomia (ausência de regras), passa pela heteronomia (as regras são passadas por outras pessoas e atendidas devido à punição) até chegar à autonomia.
Esse processo acontece através da interação social, que é o meio de troca mediante o qual afinamos as nossas percepções do mundo exterior e desenvolvemos nossas atitudes a respeito de nós mesmos.
CONHECENDO O PROCESSO
Numa criança de até dois anos de idade predomina a anomia.
Para as crianças de dois a sete anos de idade inicia-se o período da heteronomia, no qual a criança é incapaz de regular seu comportamento por meio de convicções próprias, pois não percebe a intenção dos atos dos outros, ela é “traída” pela sua percepção. A isso Piaget chamou de realismo moral, ou seja, a criança sabe que é errado pelo resultado da ação e não pela intenção de quem a praticou. Lembre-se que o pensamento nesta fase é egocêntrico (a criança vê o mundo tomando como referencial a si própria). O fantástico e o real se misturam, e predomina o animismo (a criança tropeça na escada e coloca a culpa na escada e não nela mesma) e o artificialismo (atribui causas humanas aos fenômenos naturais).
Todos esses fatores “confundem” a avaliação da criança frente aos fatos morais. Por isso a importância dos pais em explicar as regras e disciplinar de forma justa e amorosa. Se a criança faz algo errado e nada acontece, pra ela não houve erro, pois não houve nenhuma sanção.
Na adolescência inicia-se um processo rumo à autonomia, baseado na cooperação, na qual a reciprocidade é a base. O adolescente é capaz de se colocar no lugar do outro e percebe que as regras são mutáveis, nem sempre são justas e que muda-las para o bem do coletivo não é mais uma transgressão.
Para Piaget, “… a condição primeira da vida moral … é a necessidade de afeição recíproca.” E o respeito é o sentimento fundamental da vida moral.
FORMANDO INDIVÍDUOS ÉTICOS
Para se formar o caráter ético, precisamos ensinar as crianças sobre:
1- CUIDADO: cuidado com o nosso ser e com os outros. O cuidado tem de envolver direta ou indiretamente o ser humano, a si próprio ou ao outro.
Cuidar de si mesmo. Saber e respeitar seus próprios limites. Respeitar o seu corpo. Respeitar e cuidar da natureza, pois ao poluirmos estamos ameaçando a nossa própria vida e a dos outros.
“Ser capaz de prestar atenção a si mesmo é pré-requisito para ter a capacidade de prestar atenção aos outros sentir-se bem consigo mesmo é a condição necessária para relacionar-se com os outros.” (Erich Frommm)
2- CONSIDERAÇÃO COM AS PESSOAS: Pessoas são diferentes de coisas e animais. Pessoas não são meios para que possamos usá-las para determinados fins. Usar as pessoas significa desrespeitar a inteligência e a dignidade delas.
As pessoas são diferentes entre si. Precisamos ensinar as crianças a respeitar as diferenças. Todas as diferenças (raciais, culturais, religiosas, econômicas, ideológicas, etc.)
“… a humanização é um processo recíproco. Para que os outros possam fazer-me humano, tenho de os fazer humanos, se para mim todas as pessoas são coisas ou animais, também eu não serei mais do que uma coisa ou um animal. Por isso, dar-se uma vida boa não pode ser muito diferente afinal de dar uma vida boa.” (Fernando Savater, Ética para meu filho)
3- RESPONSABILIDADE: Toda ação tem consequência que podemos antever e sobre as quais, diante das ações que são de nossa escolha, temos responsabilidade. Devemos ensinar a criança a assumir responsabilidade pelas escolhas que fez e sobre as conseqüências correspondentes ( Quem planta vento, colhe tempestade!). Claro que para isso devemos considerar a etapa do seu desenvolvimento. Geralmente dois sentimentos básicos acompanham a responsabilidade: a culpa e a vergonha.
4- LIMITES: Limites são marcos que aparecem impostos às ações e que dizem que fronteiras não devem ser atravessadas ou atos devem ser realizados. O limite traz a idéia de fragilidade e de conseqüências.
5- VERACIDADE: Ser verdadeiro significa apresentar os fatos como ocorreram e buscar as interpretações – o sentido – e as explicações – as causas – que mais pareçam pertinentes. A outra faceta da veracidade é a AUTENTICIDADE que é ser verdadeiro consigo mesmo. Às vezes os filhos aprendem a mentir com os pais!
6- LIBERDADE: Liberdade é a capacidade de escolher segundo sua preferência ou formação de um modo que não cause danos a si próprio e aos outros. È a nossa auto-expressão. É escolher pelo sim ou pelo não. Pelo claro ou escuro. Agora ou depois. As boas escolhas, fruto da nossa liberdade são fundamentadas nas seguintes disposições: a) nem tudo dá na mesma (tanto faz); b) deve-se fazer o que de fato queremos; c) ter um bom gosto moral (certas coisas nos repugnam); d) não fazer nada que fira a minha liberdade; e) nem tudo me convém.
7- LEVEZA DA VIDA E FESTEJAR A VIDA: A leveza da vida diz respeito a perceber que certas coisas não devem ser levadas tão a sério devido ao seu caráter ilusório, ou seja, às vezes andamos atrás de coisas que mais tarde perceberemos que era mera aparência. Nós nos equivocamos muitas vezes e não podemos controlar completamente todas as situações. É sentir-se feliz por estar vivo e poder construir uma linda história. O Festejar a vida diz respeito a deixarmos nos levar pelos nossos sentidos, pelo amor, pela comunhão, pela amizade, pelo companheirismo, é dançar e se sentir simplesmente feliz por se estar vivo.
ESCOLA E FAMÍLIA: UMA PARCERIA QUE DÁ CERTO
Por fim, lembre-se que a escola é uma boa parceira neste processo de formação do caráter moral. Participe. Apóie. Estimule o seu filho a respeitar as regras e as pessoas.